Noites de Watermalon Man II
Eu não havia fechado trabalho para aquela quinta-feira
friorenta e sem luz. Inicialmente ficaria em casa, mas a vontade de tocar me
empurrava para a rua. A confundi com a vontade de ver tocar e quase me arrumei
para ver alguns amigos tocando aqui e ali.
Banho e cama! Era o que eu precisava.
Eu estava acabando meu banho quando o jornal local noticiou
um evento no centro da cidade. Pensei: - É agora! Vou fazer uma graninha
tocando na rua.Banho e cama! Era o que eu precisava.
O mais interessante é que nunca consegui tocar na rua.
Sempre acontecia algo, sempre era, por algum motivo qualquer, impedido de
tocar.
Peguei o Juliano
Santos ( Um saxofone contralto - alto - Jupiter com 20 anos de estrada.
Totalmente desplacado, som doce, mas de pouco corpo e projeção) e o convidei para
aquela empreitada. Ele era "pequeno de som", mas muito marrento e
encarava qualquer uma sem titubear.
Expliquei ao Coltrane (um Fiat Marea Weekend HLX 2.4 mpi 20V 4p Automático) que seria uma missão extra, mas que
valia encarar. Ele não gostou muito, mas aceitou, afinal amigo é amigo,
parceiro é parceiro e fdp é fdp. E pronto.
Coloquei uma roupa com shape de artista e lá fui eu.
Alguns poucos minutos, um transito tumultuado, algumas
mentiras nas barreiras do evento e entrei no coração da bagaça.
Escolhi ficar mais ao largo.
Juliano Santos soltou alguns trinados, um aquecimento básico
e o bom e velho Tim Maia para chamar público. Não demorou e a roda estava
cheia.
Música, dança, algumas gracinhas e estavamos bem na fita.
Umas 20 pessoas na roda. A maioria dá moedinha, mas sempre cai uma
nota de cinco, de dois e até de dez. O lance era pagar a gasolina, a cerveja e
ficar fora de casa. TV mata, envelhece e faz perder massa encefálica.
Eu estava na minha queridinha Summertime quando, do nada, um
cara de terno bege, feito para uma pessoa duas vezes maior que ele, entrou no meio da roda e começou a pregar:
- Irmãos! Ouçam a música que vem do Senhor. Ouçam e banhem-se
na glória do Senhor...
Por padrão, quando na rua, não para-se de tocar diante de
qualquer imprevisto. Eles acontecem a todo instante e seguir tocando é uma
forma de manter a roda ali com você, afinal os trocados só veem no final.
Aquela figura tinha carisma, cara de pau e envolveu o
público não o deixando dispersar, pelo contrário, ele conseguia trazer mais
gente.
A pregação não era aquela padronizada como estamos
acostumados a ver. Ele falava de família, de relação e relacionava tudo isso à
bíblia que estava em suas mãos e fazia links com as músicas que eu tocava.
Ele falava percorrendo a roda e ao passar por mim dizia
baixinho:
- Toca isso e deixa o resto comigo. O que você quer eu
também quero e juntos poderemos triplicar as possibilidades.
Sem saber o que fazer, mas não sendo cego e burro ao ver que a roda
só aumentava, segui tocando e até puxei uns blues, uns gospels e música
nacional com balada mais religiosa.
Ele mesmo falava algumas músicas e embalava seu discurso.
Quando puxei Oh Happy Day ele pediu que batessem palmas, que
dançassem e começou, depois de uns 30 minutos falando, a pedir dinheiro.
Ele apelava envolvendo o brio de cada um e as pessoas,
comovidas, davam muito mais que moedinhas. Choveu notas de dez, de cinco e tudo
sob o controle dele, porque ele ia perguntando quem podia dar dez para a obra
do senhor e depois perguntava sobre cinco, dois e aceitou até cartão
transporte. E deram!
Ele agradeceu, fez a turma dispersar e veio dividir comigo.
- Olha irmão, 30% para cada um. Os outros 40% eu levarei
para a igreja e doarei ao senhor.
Eu fiquei pensando, via aquele bolo de dinheiro. Nem na
noite eu ganharia aquilo em tão pouco tempo, mas achei injusto eu dar 40% para
o tal senhor que ele falava e aí tive uma sacada.
- Então, irmão, eu entendo a sua devoção, mas é que eu só
toco pela congregação e prefiro levar outros 20% e doar lá na obra, pode ser?
Ele sorriu, entendeu que eu estava esperto e concordou.
Pela primeira vez eu havia me dado bem na rua.
Recolhi tudo e sai tocando a minha preferida na noite:
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