Abrindo as portas.

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Aqui criador e criaturas se fundem e confundem até o mais astuto ser. Olhe querendo ver e não tema o que pode ser visto, afinal luxo e lixo diferem em somente uma letra - nem tão diferentes assim. Uma dica: Se perca para se achar. Se ache e pouco se dará a permissão para perder-se. Permita-se as permissões a bem das possibilidades.
Bom mergulho andarilho(a)!

terça-feira, 14 de maio de 2013

Noites de Watermalon Man II

Noites de Watermalon Man II
Eu não havia fechado trabalho para aquela quinta-feira friorenta e sem luz. Inicialmente ficaria em casa, mas a vontade de tocar me empurrava para a rua. A confundi com a vontade de ver tocar e quase me arrumei para ver alguns amigos tocando aqui e ali.

Banho e cama! Era o que eu precisava.
Eu estava acabando meu banho quando o jornal local noticiou um evento no centro da cidade. Pensei: - É agora! Vou fazer uma graninha tocando na rua.

O mais interessante é que nunca consegui tocar na rua. Sempre acontecia algo, sempre era, por algum motivo qualquer, impedido de tocar.
Peguei o  Juliano Santos ( Um saxofone contralto - alto - Jupiter com 20 anos de estrada. Totalmente desplacado, som doce, mas de pouco corpo e projeção) e o convidei para aquela empreitada. Ele era "pequeno de som", mas muito marrento e encarava qualquer uma sem titubear.

Expliquei ao Coltrane (um Fiat Marea Weekend HLX 2.4 mpi 20V 4p Automático) que seria uma missão extra, mas que valia encarar. Ele não gostou muito, mas aceitou, afinal amigo é amigo, parceiro é parceiro e fdp é fdp. E pronto.
Coloquei uma roupa com shape de artista e lá fui eu.

Alguns poucos minutos, um transito tumultuado, algumas mentiras nas barreiras do evento e entrei no coração da bagaça.
Escolhi ficar mais ao largo.

Juliano Santos soltou alguns trinados, um aquecimento básico e o bom e velho Tim Maia para chamar público. Não demorou e a roda estava cheia.
Música, dança, algumas gracinhas e estavamos bem na fita.

Umas 20 pessoas na roda. A maioria dá moedinha, mas sempre cai uma nota de cinco, de dois e até de dez. O lance era pagar a gasolina, a cerveja e ficar fora de casa. TV mata, envelhece e faz perder massa encefálica.
Eu estava na minha queridinha Summertime quando, do nada, um cara de terno bege, feito para uma pessoa duas vezes maior que ele, entrou no meio da roda e começou a pregar:

- Irmãos! Ouçam a música que vem do Senhor. Ouçam e banhem-se na glória do Senhor...
Por padrão, quando na rua, não para-se de tocar diante de qualquer imprevisto. Eles acontecem a todo instante e seguir tocando é uma forma de manter a roda ali com você, afinal os trocados só veem no final.

Aquela figura tinha carisma, cara de pau e envolveu o público não o deixando dispersar, pelo contrário, ele conseguia trazer mais gente.
A pregação não era aquela padronizada como estamos acostumados a ver. Ele falava de família, de relação e relacionava tudo isso à bíblia que estava em suas mãos e fazia links com as músicas que eu tocava.

Ele falava percorrendo a roda e ao passar por mim dizia baixinho:
- Toca isso e deixa o resto comigo. O que você quer eu também quero e juntos poderemos triplicar as possibilidades.

Sem saber o que fazer, mas não sendo cego e burro ao ver que a roda só aumentava, segui tocando e até puxei uns blues, uns gospels e música nacional com balada mais religiosa.
Ele mesmo falava algumas músicas e embalava seu discurso.

Quando puxei Oh Happy Day ele pediu que batessem palmas, que dançassem e começou, depois de uns 30 minutos falando, a pedir dinheiro.
Ele apelava envolvendo o brio de cada um e as pessoas, comovidas, davam muito mais que moedinhas. Choveu notas de dez, de cinco e tudo sob o controle dele, porque ele ia perguntando quem podia dar dez para a obra do senhor e depois perguntava sobre cinco, dois e aceitou até cartão transporte. E deram!

Ele agradeceu, fez a turma dispersar e veio dividir comigo.
- Olha irmão, 30% para cada um. Os outros 40% eu levarei para a igreja e doarei ao senhor.

Eu fiquei pensando, via aquele bolo de dinheiro. Nem na noite eu ganharia aquilo em tão pouco tempo, mas achei injusto eu dar 40% para o tal senhor que ele falava e aí tive uma sacada.
- Então, irmão, eu entendo a sua devoção, mas é que eu só toco pela congregação e prefiro levar outros 20% e doar lá na obra, pode ser?

Ele sorriu, entendeu que eu estava esperto e concordou.
Pela primeira vez eu havia me dado bem na rua.

Recolhi tudo e sai tocando a minha preferida na noite:

 

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