Abrindo as portas.

Seja bem-vindo(a) ao meu Labirinto!
Aqui criador e criaturas se fundem e confundem até o mais astuto ser. Olhe querendo ver e não tema o que pode ser visto, afinal luxo e lixo diferem em somente uma letra - nem tão diferentes assim. Uma dica: Se perca para se achar. Se ache e pouco se dará a permissão para perder-se. Permita-se as permissões a bem das possibilidades.
Bom mergulho andarilho(a)!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Folhas secas


Secam todas as coisas. Folhas do sertão.
Árvore não dá mais frutos: Chão fica com um amarelo de avermelhado, liso no pastilhado de tanto pisar...
Rio seca, fundo quebra, povo inquieta. Só resta olhar (?).
Só as crianças ainda brincam. Vão pro rio seco, atiram seus cacos e fazem de tudo um pouco sem pensar. Barrigudinhos, ainda sorriem. Desdentados. Desarmados. Creditados.
A mulher só pensa, reza. Chora pelos cantos, mas não desiste de acreditar. Amém!
O marido, na praça, reclama do governo e fala de melhores lugares. O que deu certo lá, o que é bom lá, o que tem de mais lá. Aponta que "aqui" nada tem (e olha para o povo seu em seu povo de olhar). A mulher pega o pouco que sobra e faz mágica de cozinhar. As crianças comem com gosto. A fêmea sofre desgosto. O homem nem aparece para acompanhar. Isso é incomum aqui (e lá).
As cabras. Secas. Comem folhas – secas. Gado, aqui, não há. Só lá.
As crianças riem de tudo, até do fato de morarem "ao lado" de uma fazenda-modelo. Comentam, comendo de segurar garfos com mãos tortas, que lá tudo é multicor: verdes-esperanças, azul-vivos, vermelho-prósperos, amarelos-Brasil e até uma cor que eles desconhecem: O lilás-fartura.
Não denominam, mas narram, sentindo, que é uma cor mais boa de bela.
O pai resmunga e até sorriso de criança com fome incomoda. A mulher assusta e nada acomoda. Vê as filhas de outros emprestando corpo por pão a juros de humilhação. Não pensa em fazer isso e nem tem mais idade. Só tem filho homem e macho, mas se menina tivesse, pensa, não deixaria “aquilo” acontecer. Ah não! E a mulher chora. Seu homem-dono-de-cabritas-e-macho diz, seco: – chorar não enche rio, mulher. Lágrima alguma faz nascer fonte. Seus filhos, muitos, cercam-na e, quietos, fingem brincar aos seus pés. O homem percebe a fortaleza. Se intimida com a nobreza; sai pisando firme e bufando qual touro bravo, mas os filhos não ligam. Lá nunca viram tal animal forte e saudável para comparar – ou assustar. Mas pelo jeito que pai sai, deve ir buscar chuva. Sonha a fêmea que ainda credita forças no amar. Estar junto é ficar. Acolher, aceitar e ponderar. Pensa...
O homem volta com o peso do cheiro de cachaça, punhos fechados no bolso muitas vezes já remendado, grosseria já no rosto e lembranças do passado tão fantasioso quanto real: Quando ele podia escolher entre essa ou aquela rapariga.
Hoje – tão igual ao ontem – a barriga inchada e o bolso vazio só o deixam escolher entre uma meia dose de pinga e a própria mulher. Que já não tem a beleza de quem não se preocupa com a vida. Sua única beleza é acreditar num Deus (que lhe responde com secas de misérias e misérias aos pingos d’águas), proteger suas crias e cuidar daquele que poderia, também, dela cuidar. Tem marcas dos duros dias no rosto. Ele quebrou ao todo – igualmente o chão que pisa no açude após o se for de águas – e que os meninos atiram as lascas para lançar, ao tempo. Tempo. Em seus cabelos nada tratados há resto de lenço. Em suas mãos há muito mais calos feitos que unhas perfeitas.
De sol a sol, ela labuta. Capina um chão sem mato, corta cactos para as cabras, limpa feijão para os filhos e prepara a farinha para o almoço. Olha, de longe, as crianças correndo de brincar, brincando para correr de uma dor que já sentem, mas ainda não sabem classificar.
Lava resto de roupas à beira do açude e, cantando, reza a Deus. Convém.
Seu marido é seu. Grosso, sem paciência, sem crença, mas seu. E por ele ela vela. A ele ela venera. Já o fez mais, mas ainda crê nos braços fortes e culpa a sorte por nada mudar. Agradece a Deus por, ao menos, ter aquele lugar. – Tem gente com muito menos, pode? Diz ela aos filhos, numa breve aula de civilidade, prosperando a igualdade que necessita aquele lugar. Um mar de escravos da miséria que no sol do sal deitam e levantam para recomeçar. Tudo igual.
O mundo muda. Um dia muda, José. Seu marido, que nem é carpinteiro e muito menos marido de Maria, sabe que Ela teve um filho sem ter amor. Não entende, mas política nunca foi o seu forte...
Sua sorte queria mudar, quando votou no operário que de lá também era. Vulgar quimera, pois lá só foi para pedir votos - e ainda assim, só pelo ar, pois descer mesmo, foi só na capital. Pisar? Só em cidades vizinhas e de maior população. Aglomeração igual a cacos secos de rio, agora, sem valor.
Mas estava acertado: se o cabra se candidatasse de novo, ele votaria, pois aquele era um homem do povo e ele tinha que apoiar. Afinal, as folhas são secas mesmo...
Sua mulher, se pudesse, votaria em outro. Mas nem documento tinha, pois seu macho - e marido; e dono - achava que mulher ter documento era ser da vida. E ele não lhe dava vida... E, por ele, ela podia pastar. Ela sorria, era sua forma de amar.
Um dia, ele dormiu acordado, levantou travado e não podia mais trabalhar. Nunca o fez; sempre viveu de transação. Mas aquele foi um "aviso" e ele não se mexeu mais, não.
Só ia até a praça, vez e outra, tomar cachaça para a vida não acabar.
Seus filhos, já maiores, tinham sede de saber. O do meio, mais esperto, sabia de uma escola perto e, como seu pai nada apitava, foi estudar. Sem ninguém falar nada entendeu que sobreviver era saber. Queria viver!
Levou consigo o mais velho e o de baixo também. Aprenderam agricultura, sobre lavoura e alturas. Descobriram outros lugares e até experiências puderam trocar.
Das duas cabras parideiras, arrumaram mais oito que viraram leiteiras, duas foram trocadas por uma vaca, três por jegues e começaram a trabalhar. Andavam mais de vinte tantos quilômetros por dia. Sol-a-sol, vendiam iguarias que na feira podiam comprar, trocar e já sabiam até barganhar.
A mãe, agora, já tinha cabelos tingidos, televisor e geladeira. Sua casa era um tantinho maior e sem goteiras, pois seus filhos queriam se casar. Cuidavam dela e das quase esposas. A vida melhorou depois do poço, a água vinha fácil e até plantação tinham. Pouca coisa, há de ver.
A fazenda-modelo virou parceira e sem nenhuma encrenqueira passou a respeitar. São bem-vindos. E se desejarem podem daqui ensinar o povo de lá.
Seu pai era orgulhoso e, na praça, garboso, dizia que seus filhos ele soubera criar. A mulher? Ela constata que as folhas ainda continuam secas, mas se sem dentes já o fazia, agora com toda a boca em iguaria, seguia sorrindo, agradecia a Ave Maria, por sua vida abençoar.
Muitas coisas não mudam, outras fazem o céu mudar, algumas tantas seguem igual e cabe a cada qual acatar. Respeitar. Resignar.
As folhas. Continuam secas, Amém!

Primeira data não disponível
11.02.2008
17.06.2008
31.10.2008

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O que sou se sei que nada sou?



Sou!
A sombra de minhas idéias, de meus vícios travestidos de prazeres e apresentações cobertas de coerências que só tem quem não tem outra opção de ser.
Sou minhas verdades - e as mentiras que não assumo ser, mas que somente eu sei quem sou.
Sou são por estar louco e fico cada vez mais louco ao empurrar uma postura sã para outros loucos que acreditam que sou.
Sou o seguidor de Cristos, Messias e mestres, mas somente sou se sigo, pois quando não sigo sou o próprio líder a abrir mares, dizer que comando marés e fazer vir comigo até aqueles que só vão para ver. Crer nunca!
Sou espiga em milharal, mas quando em milharal estou espantalho. O espantalho daqueles que querem motivos para correr e não enfrentar-me diante de espelhos refletindo espelhos. Quem são? As sombras de si mesmos, são?
Sou aquele que não anda de costas no escuro só porque no escuro não anda, porque se andasse não daria para ver a direção. Por essas e outras que sou. A pomba e pombal!
Sou praça acolhedora de criancinhas e cuidada por velhinhos que vão ver babás.
Sou fiel, sou fel. Sou até o que não sou quando insistem que sou o que passo ser na hora que não sou. Um desconhecido que muitos insistem em conhecer.
– Saiam antes que a noite caia ou o homem do saco os levará!
Um muito que alguns dizem ser nada. Um nada que do pó não veio, mas que para o pó voltará.
Sou, ainda, espermatozóide de solos intermináveis em orquestra imaginária. Sou sinfonia. Não a ordinária que gerou quartas, mas a extraordinária que, de tão boa, é executada somente uma vez.
Sou a vítima de minhas acusações e nas outras ações, sou forte na Bolsa.
Sou réu e juiz! Sou o martelo que sela a sentença. Sou a pena e a absolvição. Depois, mas só depois, sou liberdade para quem está preso e a prisão para quem está solto. Nunca sou arquivo morto.
Sou escuta, ouvido e parede.
Sou rede. Oceano e pescador me tem, por isso sou mar e maré. Vento e fé. Sou.
Sou um pouco mais, mas é isso que sou e depois disso, acredite: Ainda nada sou no tudo que posso ser; porque assim sou: Complexa e paradoxalmente eu.
É isso mesmo, eu sou!

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails