Abrindo as portas.

Seja bem-vindo(a) ao meu Labirinto!
Aqui criador e criaturas se fundem e confundem até o mais astuto ser. Olhe querendo ver e não tema o que pode ser visto, afinal luxo e lixo diferem em somente uma letra - nem tão diferentes assim. Uma dica: Se perca para se achar. Se ache e pouco se dará a permissão para perder-se. Permita-se as permissões a bem das possibilidades.
Bom mergulho andarilho(a)!

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Negra - a viúva 01

Negra - a viúva 01
Primeiro ele - o marido

Apesar de seus pais não medirem mais que 1,60cm ele chegou aos 1,83 já aos 13 anos de idade.
Tez amorenada, olhar pequeno, fixo e bem arredondado. Claro.
Cabelos ainda negros, porte elegante. Esguio.
Sem músculos desenhados, sem ombros largos, sem gestos grosseiros.
A voz era grave, firme, pausada em muitos pontos. Ele falava e olhava fixamente buscando as reações de seu interlocutor.

Ainda muito jovem aprendeu o ofício de manipular o aço. De ajudante passou a empresário quando, insatisfeito com aquela rotina embaralhada e geradora de pouco salário, propos ao padrão fazer o serviço em casa, com máquina própria e por um preço melhor.
Quando o patrão aceitou, ele propos comprar uma máquina do patrão e ajeitou o negócio.
Astutamente - e sob protesto - levou o melhor torneiro mecânico com ele e logo já fazia serviços para outras empresas.
O crescimento nunca parou, de uma empresa de fundo de quintal, ele criou a maior metalúrgica da américa latina e competia diretamente com empresas de todo o mundo.
Aquele homem era estranhamente mais pontual que um relógio suiço, mas regrado e tão cheio de procedimentos quanto um comandante de avião em vôo intercontinental.

Todos os dias, tudo acontecia dentro de uma rígida rotina e sem a menor possibilidade de alteração, improvisso.
Durante a semana levantava da cama às 6 horas, tomava um banho de 15 minutos, às 6:30 entrava na cozinha, pegava uma xícara grande com café (as empregadas deixavam o café pronto e saiam da cozinha, ele gostava de acreditar que estava sozinho em casa, assim todos viviam pelos cantos e por trás dele).
Xícara na mão, ele ia até a sala pegava o jornal (que devia estar intacto, dobrado sempre do mesmo jeito e à espera dele no mesmo lugar) e seguia para o escritório. Lá pegava dois cigarros (os únicos que ele fumaria no dia) e seguia para o banheiro do escritório. Ligava o CD do banheiro e ouvia as mesmas músicas de sempre. Periodicamente as mudava, mas essas já tocavam há mais de 5 anos.
Sentado no vazo sanitário, ele tomava, vagarosamente, o café, fumava os dois cigarros e lia o jornal. Não todo. As partes preferidas eram o caderno financeiro, o de fofocas da sociedade, o de atualidades e os classificados.
Nas muitas piadas que fazia para si mesmo (e somente para si) dizia que aquilo era o ato de fazer a reciclagem do banco de dados e servidores. Download de restos e upload de novas informações.
Mas a verdade é que seu café se resumia a dois cigarros, um jornal, uma xícara de café e um bolo fecal.

Sempre pontual, às 7:45 ele tomava um novo banho de 5 minutos e saia de casa às 8 horas da manhã.
Nunca faltava, nunca atrasava, nunca mudava.
Mesmo o percurso levando trinta minutos, ele chegava às 8:45.
Por 15 minutos ficava cerrado na sala e quando saía ia pedindo coisas, chamando gente e tocando o dia. Essa parte era a única sem uma rotina fechada, mas ainda assim seguia uma lógica padronizada. De manhã delegava, após o almoço cobrava e entre as 16 e as 18 horas fazia as reuniões. Sempre curtas, diretas e com resultados.
Ele simplesmente não tolerava pessoas que falassem demais ou que saissem do foco principal com assuntos pessoais. Não falava de sua vida e não queria saber da vida de ninguém. Quero dizer, ele era observador o suficiente para saber de tudo sem que o outro precisasse falar.
Era tão calado, nas reuniões, que ficava invisível, assim, todos falavam demais entre si e era o suificiente para que ele soubesse de tudo um pouco.
Suas vestimentas eram clássicas. Segundo ele, a melhor maneira de passar invisível era usando o clássico, mas com todo aquele ar de mistério aquele homem não passava invisível em lugar algum.
Trabalhava até às 18:30 e às segundas, quartas e sextas, jogava tenis após o trabalho, às terças passava na livraria para pegar algum livro e às quintas ficavam reservadas para imprevistos ou coisas corrigueiras como experimentar uma roupa, comprar alguma coisa, jantar com algum cliente, fornecedor ou um de seus pouquíssimos amigos.
Os finais de semana eram, igualmente estruturados dentro de uma rotina rígida.
No primeiro final de semana do mês, fazenda.
Chegava à noite, sentava na varanda, acendia um charuto (o único do mês) e ficava, por volta de duas horas, olhando para o céu e ao seu redor.
Na manhã de sábado saia por volta das 8 horas da manhã, para o meio do mato e voltava às 11:30. Ao meio dia sentava à mesa. Queria sempre pratos triviais feitos no fogão à lenha.
Interessante que ao contratar a cozinheira, passou seus horários e o que comia, mas nunca sugeriu um único prato. Apenas sentava e comia. Nuncapediu, nunca reclamou do que veio.
Ainda no início, quando a cozinheira perguntava se o prato estava bom, a resposta era um seco e inquieto sim.
Ela parou de perguntar quando o administrador disse que o melhor elogio que ela podia receber era ele sentar à mesa e comer tudo.
No segundo final de semana ia para algum lugar novo. Nesse final de semana não havia rotina alguma. Ele virava outra pessoa. Todos os horários ficavam ao léu.
A única rotina que ele seguia era o ritual de antes de dormir.
Ele sentava na varanda (nunca aceitava hospedar-se em hoteis com quartos sem varanda) com um copo de água (aproximandamente 500ml). Levava exatamente 30 minutos para consumir aquela água. Fazia isso e dali ia direto para a cama. Mais meia hora de leitura e sono.
Talvez você queira saber o que ele lia, não?
Eu respondo.
Ele era apaixonado por histórias de seres humanos. Lia incansavelmente narrativas de fatos reais.
Não importava se eram dramas, histórias de superação ou simples biografias. Ele lia, gostava e geralmente repetia a leitura alguns meses depois.
Por falar em leitura, uma vez por ano doava toda a sua biblioteca e levava exatamente um ano para preencher o espaço de cada lacuna nas estantes.
Seu carro (o único). Um jaguar.
Seus sapatos. Italianos feitos sob encomenda.
Seus ternos. Feitos na mesma família.
Importante dizer que o alfaiate, que já era o filho, pois que o pai morrera, tentou mudar de profissão várias vezes. Ele nunca deixou.
Encomedava ternos para si, para seus diretores e até para empregados, mas não deixava o alfaiate sem serviço.
Medo de quebrar a rotina? Aquele homem não parecia ser do tipo que temia o medo. Para mim estava claro que ele não tinha medo do medo de ter medo.
Na terceira semana ele ficava na cidade. Dentro do mesmo sistema. Ouvir ou ver jazz na noite de sexta. Leitura em toda a manhã de sábado, sono na parte da tarde e teatro à noite.
Na manhã de domingo, ele passava toda a manhã no escritório. Conferia as contas da casa, escrevia coisas que ninguém lia (seria um livro mostrando o ser humano que ele era?). Na parte da tarde, exposição e cinema.
Na quarta semana ia para o litoral. No sábado ou ia velejar, o que fazia com destreza ímpar, em seu pequeno barco ou sentava na barraca da praia e... era onde aquele homem mais falava. Ficava horas a fio conversando com o barraqueiro.
Segundo ele aquele nordestino era sábio e homens assim merecem ser ouvidos, melhor, era uma dádiva poder ouvir homens assim. Vai entender.
Quando velejava o fazia por horas e, depois de estar bem distante da costa simplesmente deixava o barco à deriva. Não deitava, não olhava. Apenas deixava o barco se ir com ele.

No trato com o outro era educadíssimo. Quando tinha que falar, falava, mas somenteo suficiente para fazer o outro falar mais ainda.

O que mais posso dizer desse homem? Nada. Esse é ele. O marido.

Agora posso falar dela - a esposa

Com salto, 1,75cm de altura, pele clara, cabelos loiros, coxa torneada nas muitas sessões de ginástica, yoga, danças circulares sagradas caminhadas.
O rosto era de alguém com bem menos idade que ela, mas algo chamava a atenção:
Imaginem um cadeia/cela onde só dá para ver as grades.
Um corredor escuro, as grades na contra luz e todo o resto negro lá dentro.
Ela não tinha cara de má, não tinha o ar pré-temporal-sem-aviso-prévio costumeiro a quem é do mal, mas ela não tinha cara de boa gente.
Estava claro que ela era uma madame de muitas viagens, muitos continentes e nenhuma necessidade de pão.
Sua pele, seu rosto, seu sorriso, seus cabelos e corpo deixavam claro: Nunca passei necessidade, nunca tive problemas, nunca recebi um não ou mesmo talvez.
Ela sabia pedir? Nem tanto.
A verdade é que aquele tipo de mulher não chega a precisar pedir. Quem chega perto dela quer agradar e, para tanto, não respeita as regras que seriam comuns a todos. Cedem pelo simples - e apurado - prazer de ceder a alguém como ela. É assim: Os "de baixo" querem ser bem vistos pelos de cima. Sorrir é mais que natural. Sorrir, para alguém como ela, era quase que uma reação involuntária. Fazer cara de boboda corte, também. Babar? Nem se fala.
Entendam que ela não era "todo mundo". Era o topo de uma cadeia alimentar que se reservara uma fatia infima do melhor entre o melhor.
Sua voz era bonita, mas pouco audível.
Seu rosto era triangular, queixos bem desenhados e orelhas pequenas. Coladas à cabeça.
Seu caminhar era silencioso. Às vezes.
Seu caminhar era música para muitos de seus súditos.
Ela era admirada por todos.
Sua beleza realmente encantava, mas pare. Se a sua ideia de beleza é algo proveniente de revistas de moda ou as austeras monarquias, esquece. Com aquela mulher nasceu um novo estilo de beleza onde a mulher tem tantas curvas quanto uma modelo, tanta beleza quanto uma elegante mulher de revista e mais: Um ar que convida à morte. Mas isso só para aqueles que tiverem a sorte.
Inicialmente estudou engenharia química, mas depois de anos de formada (e exercer a profissão), deu uma guinada na vida e fez biomedicina.
Nas horas vagas auxiliava na administração de uma casa de caridade para crianças portadoras de doenças crônicas terminais e ainda arrumava tempo para administrar, dirigir e controlar uma companhia teatral onde toda a renda era revertida para essa casa de caridade.
Sua rotina não era tão rígida, mas até por formação, sabia muito bem como administrar o que caia em seu colo ou sabia que tinha que fazer.
Não foi difícil, nessa vida, apreender que adequação é uma palavra importante e mais importante ainda é cumprir com o combinado (mesmo quando esse combinado não foi explicitamente combinado).
Ela sabia que nem todo contrato é selado com assinatura em papel ou aperto de mãos. Alguns são selados com a permanência (de ambos). Ela permanecia. Pagava o preço por ter assinado, com a permanência, um contrato combinadamente tácito.

Tenho mais para falar dela - tanto quanto falei dele - porém o farei no decorrer de um rio que desaguará num mar. Isso é tão certo quanto o açucar é solúvel na água. Uma dança (açucar e água) que começa branca, bonita, azuladamente diamantada e acaba com uma das partes sumida (o açucar) e a outra adoçada (a água).
Um casamento tão bem selado e harmonizado que comumnte só vimos um, mas ao provar (ou provocar) sentimos que são dois em uno.


Como se conheceram?

Ela tinha 29 anos de idade quando ele, aos 46, teve um problema de saúde e fora parar no hospital onde ela trabalhava cobrindo um plantão que não era eu.
Ele calado, observador, ávido por ver o interlocutor falar cruza com ela.
Ela calada, observadora, ávida por ver o interlocutor falar. Cruzou com ele.
Por padrão ela não tinha contato direto com os pacientes, mas devido a um impasse técnico ela fora chamada para melhor explicar alguns números (de medicamentos e exames) ao médico. Este estava no quarto do homem que futuramente seria seu marido.

Ela entrou com cópias dos medicamentos e exames.
Foi apresentada ao paciente.
Verbalmente entregou sua explicação, desfez o nó do impasse, pediu licensa, cumprimentou a todos de uma só vez e saiu com mais um pedido de licensa.
Ela saiu do quarto desconfortável. O ar daquele homem a penetrara fundo. Foi como um tiro que não mata, uma flecha que não sangra, um amor que ainda não explodiu após queimar todo o pavio da paixão.
Em verdade, aquela troca de olhar implantou uma bomba relógio dentro de ambos.
Seria só uma questão de tempo para que a explosão deixasse a ambos cegos, surdos e falantes.
Sei que o ditado é que dois bicudos não se beijam, mas pergunto: Dois calados se falam?


Um mês. Do primeiro olhar a união de corpos.

Após a saída dela daquele quarto e a saída do médico aquele homem ficou inquieto. Era aquela mulher.
Ela mexeu com ele. Estava claro que algo acontecera, masele não sabia o que.
A melhor maneira de descobrir foi pedir para chamar aquela mulher de novo.
Só que, por uma questão zodiacal (muitas vezes, para explicar coisas sem explicações lógicas, o zodíaco é bem melhor que o Google), aquele homem pensava mais do que falava, na vida pessoal demorava para tomar decisões (seria esse o motivo de tão rígida rotina?). Assim, quando ele resolveu pedir para chamá-la, claro, ela já tinha ido embora.
Já na manhã seguinte a alta hospitalar se fez justa, pois sua entrada era para exames e não para moradia. Por outro lado, para não quebrar a sua rotina ele aceitou fazer os exames à noite. Entrou numa noite e saiu na manhã seguinte direto para o trabalho. Lembram que ele nunca faltou? Pois é. Nem por saúde.
O ponteiro do relógio da vida não para. Quase uma semana seguem até que ele reencontra o médico "amigo" e, com muito jeito para não despertar interesse, pergunta sobre a moça que sanou as dúvidas no hospital. O amigo não somente disse que ela estava bem como ainda apresentou o lado caridoso daquela mulher falando sobre o seu trabalho em uma instituição de caridade.
Ele não pensou duas vezes para usar a vaga da quinta e passar, pessoalmente, na tal instituição.
O amor nos faz trabalhar para que o trabalho justifique o amor de amar.
Ele não encontrou a mulher, mas foi astuto e deixou seu cartão. Claro, ela não ligou.
Inquieto, sem receber a ligação dela, ele sai mais cedo do trabalho e vai à instituição.
Por favor, não confunda sair mais cedo com nunca faltar ao trabalho.
Ele saia mais cedo, às vezes.
Nunca entrava mais tarde, nunca faltava, atrasava ou ligava.
- Oi.
- Oi.
Ela o recebera no balcão. Não o convidou para sua sala e foi tão seca quanto uma cuica fora do carnaval. Algo meio sem sentido.
- Deixei um cartão meu. Ele falou e calou.
Ela o olhou, calada estava calada permaneceu.
Sim, o gelo dentro de si era grande. Aquele homem mexia com ela, mas dai a se jogar nos braços dele era uma outra história.
Ele continua. - Você não me ligou.
Ela resolve colocá-lo no lugar dele.
- Recebi seu cartão e o aviso para ligar, mas nenhum porque. O deixei de lado.
Estranho.
Depois dessa fala ambos calam. O diálogo segue no olhar, na respiração, nas mãos que, em algum lugar, tocam um frenético samba do criolo doido.
Um homem incomum.
Depois de alguns segundos (que mais pareceram uma eternidade)conversando no olhar, cada um falando de suas vivências, sorrindo das experiências um do outro e trocando confidências, ele dá as costas e sai.
Sim, sim, sim. Simples assim: Ela respondeu, se olham por muito tempo e ele dá as costas e sai.
Antes dele chegar à porta ela também já havia dado as suas costas.
Dois dias, ele recebe uma ligação, era ela.
Não pediu desculpas, afinal falaram tanto com o olhar que a intimidade era algo comum.
Sem a rede do olhar para apoiar o salto do trapezista a conversa foi curta, mas produtiva. Era dia de teatro. Ele convidou e ela aceitou.
Inicialmente, como toda tola-mulher-moderna, ela quis ir no carro dela. le, mesmo educadíssimo, quase foi grosso.
- De modo algum. A pego e a levo em casa.
Ela tremeu diante daquela voz firme e aquele ato masculinamente sedutor, afinal a mulher usa cueca porque os homens, cada vez mais estão usando nada (dizer que usam calcinha é até uma ofensa à mulheres que fazem o mundo girar com seus esforços).
A peça foi primorosa. Sabe qual foi o tema? Ser humano.
Primorosa, comovente, única.
Do teatro, sem perguntar nda a ela, ele a levou a um restaurante.
Bom atendimento, boa comida e excelente vinho. Tudo pedido para harmonizar com a conversa de olhares. Era assim que ees melhor trocavam.
Mas claro que falaram da peça.
Interessante que mesmo ambos conhecendo o elenco nenhum dos dois comentou esse fato, aliás ele tinha algo peculiar. Nunca acrescentava adjetivos, posses ou qualquer outro dado que comumente usamos para fazer a referência a alguém.
Do jantar ainda se olharam mais um pouco e ela pediu para ir. Teria que trabalhar na manhã seguinte.
Na porta dela se olharam por muito mais tempo que qualquer casal afoito, em uma prima saída, transa.
Foi ali, foi com aquele olhar que ele, sem dizer uma palavra, a pediu em casamento.
Foi ali, foi com aquele olhar que ela, sem dizer uma palavra, aceitou o pedido.
Explico:
Depois de muito se olharem, ele ligou o carro, seguiu até a casa dele.
Ela entrou, achou a casa bonita, decoração limpa, simples, mas imponente. Tudo muito claro iluminado pelo escuro.
Quer mais estranheza?
Eles conversaram por um tempo na sala, ele a levou para o quarto de hospede, lhe desejou boa noite e deu as costas.
Não, a estranheza não está aí. Está aqui:
Ela agradeceu os votos de boa noite, lhe deu as costas antes dele virar por completo, tomou um rápido banho e deitou-se.
Dormiu? Você dormiria?
Ela dormiu. Claro que auxiliada por um dormonide, mas dormiu.
Na manhã seguinte, quando ela saiu do quarto ele estava na sala. Ao vê-la mostrou o caminho da sala de café e seguiram.
Ela tomou seu café, ele informou que a levaria ao trabalho e assim foi.
Ele pede para que ela ligue para ele quando saisse para que ele a pegasse, ela concorda com a cabeça e desce do carro.
Mil folhas seriam poucas para contar as horas que passaram entre o descer do carro e ligar para ele ao sair do trabalho.
Talvez eu consiga resumir em uma linha, melhor, em uma palavra:
Liquidificador. Só essa basta.
Esse sistema se repetiu por quase um mês até que ele diz que ela deve se mudar para a casa dele.
A única coisa que ela, direta e secamente, pergunta:
- Isso é um convite para morar junto ou um pedido de casamento?
Ele olhou para ela por tanto tempo que o ponteiro do relógio girou algumas vezes.
- Se eu quisesse morar junto com você a colocaria no meu quarto e não no quarto de hospedes.
Foi ele, em seu tempo, que providencia a mudança, os papéis para o casamento e a toma, com as graças de Deus, como sua esposa.

O relacionamento - deles

É difícil relatar a vida de duas pessoas que falam quase nada, olham a quase tudo e se acreditam felizes assim.
Desde o casamento eles se entendiam muitíssimo bem.
Ele falava pouco, mas falava.
Ela falava pouco, mas falava.
E se você acredita que, em um casamento, a comunicação é somente através da fala, se engana.
Era de impressionar, aos mais falantes, como aquele casal se falava tão pouco com o uso da verbalização das palavras e tagarelavam tanto com o uso do olhar, dos gestos, da trocade energia.
Sei, você quer um exemplo.
O jantar era regado à música clássica em volume quase inaldível, bastava um aorde mai alto para que um olhsse para o outro e começassem a conversar com o olhar.
Os olhares não eram apaixonados, mas eram, além de intensos, muito verdadeiros. Estava claro que não se tratava de um casalzinho passando uma chuva em nome de um bate papo interessante e uma trepada que fazia gozar. Só gozar, porque nesses casos o orgasmo é um artigo de luxo não encontrado na lojinha de luxo da esquina.
Podi encomendar, mas só chegava quando a entrega era real ou... a transa era fra de um padrão entendido como comum.
É verdade, o incmum pode gerar prazeres pouco visitados, mas almejados por toda a vida.
Ele tinha a rotin dele, ela tinha a rotina dela. Eram dois planetas dentro do mesmo sistema solar.
Dois planetas com eclipses diáros.
Cada um tinha a sua rotina, seu sistema de órbita e suas próprias crenças.
Com o casamento, ele pediu que ela parasse de trabalhar no período noturno no mesmo instante em que ela apresentou a carta de demissão dos hospitais onde fazia plantão noturno.
Ele mudou a rotina, passando a chegar mais cedo e casa no mesmo dia em que ela havio ensaiado para fazer esse pedido.
Eles eram assim: Sincronicidade.


Ele se foi - sozinho

Eles estavam casados há dez anos. Ela gozava 39 primaveras e ele desfrutava dos prazes da meia idade.
Nos dias de hoje, um home com 56 anos stá praticamente zerado. Tem todas as vantagens de alguém que já viveu e todas as vantagens de quem já nã se importa tanto com algumas pequenas mazelas da vida, como se maner, gerar estudos e progredir.
Essa é aquela idade onde o homem está mais preocupado em fazer belos jardins, viagens interessantes e fotografar a vida (de outros).
O sistema de vida era o mesmo. Só os dois, sónos olhares.
É claro que nesse período de dezanos muitas coisas aconteceram, como ela ter gêmeos e eles morrerem sem a meno expliação. Os dois, aos 3 mesesse foram.
A medicina não explicou, por isso alegou mau súbito.
A polícia até investigou, mas não chegou a conclusão alguma.
Em verdade, ele usou seu conhecimento e negócios com políticos para parar as investigações, ela estava tão sofrida que se cerrou em quatro paredes e, claro, sem ela ele não ficava.
Depois de dez anos, dois dias e 21 horas que eles se conheceram ele desenvolve um cancer e, da noite para o dia, se foi.
Ela simplesmente ficou completamente perdida. Quase enlouqueceu e culpou o marido por deixá-la tão só.
No sepultamento ela, com toda elegância que acabe a uma mulher como ela, só dizia baixinho:
- Eu fiz de tudo para que ficássemos bem.
- Eu fiz de tudo para que ficássemos zen.
- Eu fiz de tudo para que ficássemos...
A fala era tão baixa que ninguém ouvia mais que balbúcios.
Ela o perdera. Ela o culpava por não ser eterno enquanto ela estivesse viva.
Estranhamente aquela mulher passou a odiar o marido.
Estranhamente aquela mulher passou a odiar o homens.

Terapia, conversa com as pouquíssimas amigas que tinha, conversa com os muitos abutres que apareceram em uma hora tão delicada e com propostas mirabolantes. Os planos de negócios eram tão fantasiosos que não pecisa ser expert para ver que tudo não passava de pura fantasia mesclada a picaretagem.
Mesmo não se importando com dinheiro e sempre tido ganmho mais do que poderia gastar, aquela mulher estava tão rica que mesmo gastando muto mais do que eu posso escrever aqui aquela mulher teria mais do que poderia gastar por umas umas quatro vidas.
O defunto ainda estava quente, sem entrar no rápido e fatídico processo de decomposição quando a segunda turma apareceu. É a turma que, já ue não conseguiu emplacar negócios tentava seduzir a viúva.
Aquele desesperado ato chamou a atenção dela, mas voltaremos a eles em outra oportunidade.

A verdade é que o desequilíbrio foi total.
Aquela mulher calada realmente gostara do marido calado, mas não conseguia prdoá-lo por ter ido sem ela.
Em terapia, ela chegou a afimar que foi proposital o desenvolvimento do cancer e a ida prematura.


Acidentalmente ela mata - e tem prazer

Já se foram seis meses que o marido transitou.
Nesses seis meses a sua tese de conspiração só aumentou. Só ganhou mais argumentos.
Em partes até pela postura dos homens que a cercavam, em partes por, definitivamente, ela acreditar que o marido podia ter ficado quando partiu.
As empresas dele foram tão bem administradas e estruturadas que andavam praticamente sozinhas.
Ela seguia o sistema dele e não teve problemas para colocar cada gestor em seu lugar e fazer a produção seguir como antes.
Mas ela não participava ativamente da gestão das empresas. Voltou a trabalhar mais intensamente na profissão que nunca abandonou. Biomédica. Sendo que agora estudava um pouco mais de farmacologia.
Nada tão a fundo, apenas o suficiente para dominar assuntos que outrora ficava recolhido. Apenas uma forma de se manter ocupada. Só.

Um dia ela estava em casa e um ousado gestor a visitou, sem avisar, com a desculpa de que haviam papéis importantes para assinar e posições a assumir.
Eram 18 horas, emum primeio momento disse que ão o atenderia, mas ele insistiu, gerou um sentimento de culpa e conseguiu a atenção dela.
Inicialmente ele foi centrado, focado e educado, mas após duas horas mostrando papéis ele começou a elogiar aquela mulher.
Ao mesmo tempo que ela tem prazer naquele galanteio, igualmente sente asco daquele sujeito. Ele era homem e isso bastava para receber sua total indiferença.
Mesmo ela sendo estremamente fechada (cara de cela escura, lembra?) ele insistia. Óbvio que homem algum substituiria "the man i love", mas ele insistia.
Mulher é estranha.
Ela oferece jantar. Ali. Ele aceita e, evidente cresce.
A mesa fora postapor ela mesma. Para o marido esse ato era raro, mas naquele dia todos estavam de folga.
Ele come, acredita ue a seduz com seu fala demais, gesticular demais e - o pior para uma mulher - externar visões demais.
Se homem fosse um bicho esperto nunca externaria sua real visão do mundo.
Homem é preconceituoso, arrogante, sem linha e o pior: Acha que a mulher também é assim. Não é.
Um milionária é capaz de ter um romancer com um limpador de ruas. Basta que ela veja nele o seu homem. Basta que veja um homem que possa amar (e apresentar para as amigas como "o homem que eu amo").
A cada nova frase sem nenhum olhar. Ele não olhava para ela. Ela aumentava o nojo que sentia dele e confirmava a sua tese de que homem não presta.
Ela, com muita educação, pede que ele se vá, mas ele queria mais. Ah, muito mais!
A estatégia foi dizer que não sentia-se bem.
Ela vai até a farmácia de casa e pega um de seus remédios manipulados. Todos feitos por ela mesma.
Ele toma e não dá dois minutos para começar a, de fato, passar mal.
Num primeiro momento, ela se assusta, mas não consegue fazer nada (ou será: não quier fazer nada?). Gosta de ver o homem ali, impotente, inerte, pagando por tudo que a fez.
Seu corpo treme, sua mente perambula por estradas sinistras, Ela gosta, tem prazer e um orgasmo nunca antes sentido.
Em poucos minutos ele se vai.
Em poucos minutos ela se dá conta do que houve.
Sem empregados, sem testemunhas, bastava enterrar o corpo no jardim e estava feito. Mas e a família dele? E as pessoas que, seguramente saberiam que ele foi lá?
Ela, sem saber o que fazer e usando de muita força, o coloca em seu carro (o carro dele) e roda a cidade.
O passeio durou quase toda a noite até que ela resolve colocá-lo no banco do motorista e abandonar o carro próximo a um prostíbulo de luxo no lado, da cidade, oposto á sua casa.
Algunas dias a polícia a procurou, mas nada conseguiu.

Por dias a fim aquela mulher pensou no que havia acontecido.
Ela trocara o medicamento, isso estava claro, mas por qual? Qual medicamento seria tão forte a ponto de matar um homem em minutos?
Ela precisava estudar isso.
Ao mesmo tempo que sentia sentimewnto de pena e culpa, sentia prazer, queria mais.

A troca do medicamento foi ocasional.
Um combinado de medicamentos, comida e bebida levou aquele homem a um mal súbito, mas exatamente qual?

Nesse momento isso é o de menos. O que de fato importa é como a cabeça dessa mulher ficou e com o prazer que ela sentiu ao ver um homem fragilizado à sua frente.
Ela o matou. E gostou disso.

Nasce a Negra - a viúva

Agora você já tem a base de todo o enredo.
Daqui para frente é acompanhar as investidas de Negra - a viúva e ver como ela, de uma mulher pacata e sem fala, se transforma em uma das maiores Serial Killers de todos os tempos.

Até breve.

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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Coisas que só eu penso, só. (cadarço e cabaço)

Provérbio Aderleiês:
Uma hora o cadarço afrouxa
e o pé sai do sapato.

Interpretação:
Ela perde o cabaço quando ele enfia o pé.

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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Quem me quer?

Aquele domingo estava especial. Sol, calor, brilho no ar e poesia na alma.
Acordei cedo e como não tinha muito a ser feito resolvi passear de moto. Pegar estrada, dar um gás.
Aquipamento em cima, motor aquecido, estrada!
100Km/h, 170Km/h e eu queria mais. A 200Km/h a moto, que estava parada havia um sem fim de tempo e fora consertada há poucos dias, apresenta um problema.
Inesperadamente saio de um lado para o outro da pista em fração de segundos. Sou lançado à metros de distância mato adentro.
A moto passa por cima de mim, eu acho que quebrei aqui, fraturei ali, fissurei acolá.
Desacordado não tive como pedir ajuda e, naquele local, a tantos metros da estrada, dificilmente alguém me acharia. Seguro.
Num desmaio profundo, permaneci ali por algumas horas até que um avô para no acostamento porque seu neto queria fazer xixi. Envergonhado de tudo, o garoto entra um pouco na mata e mesmo concentrado naquela tarefa ao mesmo tempo constrangedora e prazerosa ele sente o forte cheiro de queimado, gasolina e fumaça. Roda o rosto em busca da origem e vê peças espalhadas. Acompanha o rastro do acidente e seus olhos me acham caído mais à frente.
Susto, choque, inquietação e correria.
Ele vai ao avô e relata sua visão. O avô corre para conferir. Constata que estou desacordado e liga para a polícia.
Foram poucos minutos para, de vazio, ermo, o lugar virar ponto turístico para curiosos. Pessoas que tinham familiares a milhares de quilômetros dali paravam para ver se podia ser seu ente, que nem era tão querido assim.
Outros aproveitavam o momento para exercitar o jornalista que há dentro de si e perguntavam sem parar.
A polícia, os bombeiros e outros profissionais nada diziam. Estavam preocupados com o meu estado. Que aparentemente não havia quebrado nada, mas a contar pelo estado da moto eu devia estar em pedaços por dentro.
O macacão de cordura, feito sob encomenda e que custara uma pequena fortuna, era rasgado por uma tesoura sádica, impiedosa, rápida e faladeira: grrrrrrrrrrr.
As vozes eram muitas, mas confesso que a nada ouvia, via ou sentia. Eu estava em outra.
Meus documentos diziam quem eu era, mas não diziam de quem eu era.
O celular fora destruído na queda de muitas voltas?
Quem sabe?
Mesmo sendo um domingo de manhã aquele trecho da estrada estava completamente vazio quando a moto apresentou problemas mecanicos, sobretudo por falta de uso e, talvez, manutenção pouco cuidadosa da parte do mecânico.

Do acidente até a chegada do socorro o cronômetro marcou exatas 4 horas.
Precisaram de mais duas para que a ambulância estivesse em condições de partir comigo para o hospital mais próximo.

No hospital, os médicos receberam-me com frases de preconceito do tipo "esses motoqueiros... Andam como se quisessem se matar", "são uns loucos", "correm até não poderem mais, aí quando dá essas zicas correm pra cá e a gente é que tem que dar um jeito na vida deles", "chama o dr. Fulano que eu não vou mexer nisso, não. Eles fazem as cagadas e eu tenho que salvar a vida deles?! Chama o Fulano!".
A assistente social preocupava-se em achar algum familiar. Apesar dela ter visto uma carteira de plano de saúde precisava de alguém para fazer todo o tramite. or uma questão burocrática, ela não podia fazer.

O cronômetro não parou e com 10 horas do acidente até aquele momento eu só dormia. Nada acontecia. Bem provavelmente eu morreria por ali mesmo, seria enterrado como indigente e estaria tudo certo, afinal a saúde pública sempre faz o melhor por seus cidadões. Além de providenciar a morte, providencia o enterro.

A assistente social sentia algo dentro de si e não desistia de procurar alguém mais que respondesse por aquele alguém menos deitado ali.
Negro, aproximadamente 1,70cm, forte, acidentado de moto.
Carteira de identidade número X, habilitação número Y.
Jogou meu nome na internet e só conseguiu coisas vagas.
Facebook fechado a não amigos, logo não poderia nem usar a lista de contatos para tentar um contato.
Orkut inexistente sob aquele nome.
Ela ficava nervosa e mais nervosa ainda por não ver os médicos fazerem nada. Um jogava para o outro que dizia não querer cuidar daquele caso.
E eu? Eu estava em outra.

Após o primeiro balanço da moto e o seu direcionamento para o acostamento eu não conseguia controlá-la.
Fui arremessado e subi muito alto, mas não desci.
Num piscar de olhos eu sai da situação da estrada e fui parar em uma recepção com móveis antigos, escuros, ar pesado e pouca luz. Uma freira taciturna me recebeu. Sem muitas explicações pediu que eu esperasse. Apontou uma cadeira de madeira, envelhecida e estofamento de couro azul-marinho-tristeza.
Claro que eu não sou bobo e logo percebi que estava no céu, ou seja, fiz caca e morri. Danou-se, negão!
Sentei na tal cadeira encolhido e tão gélido quanto uma criança que é posta para pensar após um inocente e sem tamanho erro, meus pensamentos rodaram o mundo de mim mesmo. Família, pessoas queridas, vida. Tudo era cojitado. Claro que ao melhor estilo Aderlei: Tudoaomesmotempoagora. Sem espaço ou pausa para não perder tempo.

A freira olhava alguns papéis, olhava para a minha cara, ficava fechada, mas não fazia cara de reprovação.
Nossa, que ar pesado! Que angústia!
Eu estava tão nervoso que nem tirei as luvas. Cheguei de macacão completo e assim continuei.
Depois de olhar livros, papéis soltos, solicitar mais papéis e chamar uns e outros ela, fechadíssima, pede que eu me dirija ao guichê 21.
A olhei como quem diz: - Você acha que eu venho ao céu todos os dias? Onde é o tal guichê 21?!
Parece que a dona lia meus pensamentos. Apontou para um corredor à direita. Muitas salas. Placas de números na porta e lá vou eu.
Confesso que estava triste, afinal quem quer morrer de bobeira, assim?
Mas respirei fundo e fui encarar a minha sina, quão antes acabasse aquilo, antes eu poderia me achar. Em verdade, poderia fazer o que eu fazia de melhor: Me readaptar. Readequar.

Foi uma outra freira quem me recebeu. Alta, bonita, um ar angelical. Voz empostada, firme, olhar maduro, ombros bem posicionados, mas sem brilho algum. Não falo de sexaple, falo de um brilho que só a maça tem, que só carr novo tem, que só mulher feliz tem. Fica espalhado na pele, no olhar, no ar. O ar ali era pesado demais para qualuer brilho em qualquer pessoa...
Entrei. Ela fez sinal para eu sentar e antes que eu falasse qualquer coisa ela disparou.
- Acreditamos que houve um engano, seu Aderlei. O senhor não deveria estar aqui.
Pensei: - Como assim não estar aqui?! Ah, sim. Ótimo! Eu não tinha que ter morrido. Ainda.
Ela interrompe meu pensamento e segue.
- Seu lugar é no inferno. Não no céu.
Puta merda! Pensei.
Ela levantou a cabeça com ar de reprovação pelo baixo calão e, séria, fechada e sem me olhar muito seguiu:
- Veja o senhor, não há como estarmos errados. O senhor tem mais de 470 requisições (e solicitações fervorosas) de pessoas pedindo que o senhor vá para o inferno.
Isso é muita coisa para um homem que não tem muitos funcionários, família grande, é síndico de prédio ou presidente de sindicato, seu Aderlei.
Veja (ela segue): Mulheres, profissionais diversos, amigos. Muita gente.
Meu mundo caiu. Achei que encontraria Maysa, mas não será dessa vez.
Até deu uma vontade de chorar, mas meu choro não sai tão fácil. Se segurou sozinho dentro de mim sozinho.
- Olha - ela continua - , o senhor não tem nenhuma prece pedindo um lugar no céu, logo, sem reservas, entende?
Eu não respondi. Só a olhava. Eu confesso que sabia de algumas requisições, mas 470 é, realmente, muita coisa. Melhor não contra-argumentar.
Para variar, até no céu, segui o meu padrão em situações de stress: Fui direto, um pouco grosso e queria resolver logo. Tá, tá bom. Fui bastante grosso. Um ouriço!
- Tá, se eu não tenho vaga no céu para onde vou?
Ela me fitou por alguns segundos. Será que desaprovou a minha costumeira grosseria?
Sem soltar uma palavra, ela aperta um botão e dois homens aparecem. Seguranças.
O interessante é que os seguranças no céu, são iguais aos seguranças de prefeituras: Baixinhos, gordos, sorrientes e... falantes! Até demais.
- Por favor, houve um engano e o seu Aderlei tem que ser conduzido para o inferno. Lá é o lugar dele.
Pronto. Gelei.
Um deles me toca e, de novo, num piscar de olhos eu já estava em outro lugar.
Claro, luxuoso, tapete vermelho e uma recepcionista de tirar o fôlego. Sabe, dessas que ficam em lojas que você sempre quer ir sozinho? Levar mulher junto, nem pensar! Vai que.
Estatura mediana, olhos claros, roupa colada no corpo, seios fartos, decote provocativo e coxas de "matar papai".
O tapete tinha uns dez metros, era macio. Andei por ele até chegar naquela visão de paraíso que sorria para mim.
Dentes brancos, olhar expressivo e ar totalmente 3D (disposta, disponível e à disposição).
Com graça, bom tom e "toda aberta" ela me recebe:
- Dr. Aderlei! Seja muito bem vindo! É uma honra conhecê-lo. Me desculpe, mas confesso que estou emocionada.
E eu confesso que fiquei sem jeito. Nada respondi.
Aquilo era o inferno?! Me perguntei.
Gente, se eu tivesse que fazer uma analogia, diria que o céu é como o serviço público. Pouca paciência, muito trabalho, nenhuma disposição. Tudo meio velho, escuro e sem muita preocupação com o cidadão que paga os impostos e, consequentemente, os salários.
O inferno é como uma empresa privada de ponta. Tem consciência que precisa se manter, por isso foca no cliente. Tem metas, estratégias e gestão. Não que o serviço público não as tenha, mas no inferno tudo parece mais compromissado.
Enquanto no serviço público (céu) tudo demora e, muitas vezes, é você quem tem que fazer andar todos os papéis (preces, novenas, idas e idas à igreja...), na iniciativa privada, eles te esperam, fazem tudo para o seu conforto e buscam fechar negócios o mais rápido possível. Burocracia mínima para uma máxiam satisfação (como assim?!).
Não sei, a ideia que eu tinha de céu e inferno era outra.
Em nenhum momento ela dá a entender que pode ouvir meus pensamentos, mas com educação, tato e finese ela os interrompe.
- Dr. Aderlei, o senhor me desculpe. Eu vou pedir a gentileza do senhor sentar um pouco e um de nossos consultores já o atenderá.
E explica.
- É que hoje houve um acidente em massa numa bolsa de valores e aqui está uma loucura. Mas o senhor é VIP e um dos nossos melhores consultores o atenderá. Ele só foi pedir alguns documentos para agilizar para o senhor. Quer um café? Uma água?
Eu estava cabreiríssimo e, por estratégia, resolvi não falar - e pensar! - nada.
Agradeci o café, a água e sentei.
Não demorou e veio outra moça. Tão gentil e sorridente (e gostosa) quanto a da recepção.
Perguntou se eu não queria tirar as luvas, mais uma vez, me ofereceu água, café e pediu desculpas por uma demora que não existia.
Eu que sempre reclamei de atendimento, não podia falar nada. Ali era perfeito.

A minha cabeça doia, meu corpo não respondia, minha mente morria no congelamento de pensamentos conflitantes, perdidos, confusos e sem nenhum sentido.
Me perguntava muito se realmente eu merecia estar no inferno e via como o ser humano é o bicho mais estranho do mundo.
Vejam que mesmo o céu sendo "feio", frio e sem nenhum glamour e mesmo inferno sendo o que há de melhor em termos de atenndimento, luxo e aparente boa vida, eu queria o céu. Claro, desde pequeno aprendi que o céu é dos justos. Eu queria ser justo. Talvez.

Lá "embaixo", finalmente, o tal dr. Fulano que pediram para chamar chega. Se passam 12 horas desde o acidente. Aquele homem alto, forte e de brilho ímpar já chega brigando. Reclama por terem rasgado uma roupa tão cara sem necessidade e pergunta porque os procedimentos de rotina, para um caso como aquele, não haviam iniciado.
Exames, coletas para mais exames. Aparelho quebrado aqui, exame sem examinador ali e ele faz, pessoalmente, o possível para saber da situação e cuidar de mim.
Constatou que não haviam fraturas, mas verificou que eu estava em coma.
Receitou medicamentos, procurou a assistente social para saber se ela tinha algum dado que pudesse ajudar e nada.
20 horas após o acidente e meu estado era estável. Só precisava sair do coma e contar a minha história.
O único senão é que havia a possibilidade de eu morrer a qualquer momento. Isso era comum em acidentes de moto sem fraturas, hemorragias e com coma.

"Mais abaixo" eu era recebido por um "moço" sorridente que se apresentava como o consultor que cuidaria do "meu caso". Confesso que meu incômodo era tanto que não ouvi o seu nome. Apertei sua gelada mão e fui conduzido a uma sala com mesa imponente, grande, cadeiras confortáveis e ar na temperatura correta.
Ele me convida a sentar, olha papéis, olha um moderno computador, sorri e manda a bomba:
- É verdade, dr. Aderlei, a priore, o seu lugar seria aqui. Só que - ele fala, coça o ouvido, me olha, olha para o computador - eu acho que não é por aí.
E segue:
- Bem. O senhor me dá dois minutinhos e eu confirmarei alguns dados com o meu gerente, pode ser?
Não respondi nada. Meu estômago estava nas costas. Essas situações me deixam com uma fome absurda. Mera fuga, mas esse, também, sou eu. Ou era. Já não sei.
Quando ele chega à porta o gerente já estava indo para a sala. Ali mesmo confabulam, trocam informações. O consultor queria fechar mais uma, porém, o que eu entendia era que o gerente não me queria ali.
Entre balbúcios eu ouvia o consultor dizendo que, para a carreira dele, seria importante, mas o gerente alegava que ele tinha que pensar no todo. Na empresa, na equipe, no todo.
Depois de muita conversa, o gerente entra, se apresenta, aperta minha mão, diz que é um prazer enorme me ter lá, mas que há um equívoco.
Segundo ele, eu teria que estar no céu e, pedindo mil desculpas, diz que fará contato com o céu para resolver a situação.
Ele vai para a sala ao lado, pega o telefone e pelo que entendi o fone estava com problemas (nem tudo é perfeito, não?) e ele teve que usar o viva-voz. Consegui ouvir a conversa.
Depois de algumas transferências é o que segue:
- Alô.
- Chico velho! Fala ele com um tom pra lá de amistoso, político e com ar de quem precisa de algo a qualquer preço.
- Exu! Para você eu sou São Francisco. Me respeite. A voz era séria, fechada e até um tanto estressada.
- Que isso, Chico... Relaxa que a vida é boa, meu amigo.
- Não sou seu amigo e só vivo no coração dos meus fiéis.
- Olha a possessividade, hein. Isso não é bom para a sua imagem, irmão. O tom era irônico e de quem não está nem aí para a recém levada comida de rabo.
- O que você quer?!
- Boa! Vamos trabalhar que é isso que importa. Seguinte: Estou aqui com um moço. A primeira entrada foi aí e enviaram pra gente aqui, mas isso tá errado, Chico.
- Vou ignorar o fato de eu já ter pedido para me chamar de São Franscisco (e de Assis!!!), me passa a RE.
- Que porra é essa?
- Registro de Entrada.
- Ah sim! Vocês são cheios de nove horas, hein. RE, sei... Perai que vou ver a ficha. Passa-se alguns momentos e ele segue. Onde acho isso?
- Canto superior direito, letras grandes.
- Ah! Em vermelho?
- Aqui só imprimimos em preto e branco e em papel reciclado.
- kkkkkk Êta misséria! (o exu era um zombeteiro, de fato). Aqui usamos papel de primeira linha, tinta especial e, a bem do luxo, que vocês fiquem no lixo!
- Achou? São Francisco literalmente ignora as investidas do gerente de pessoal do inferno.
- Claro que achei, não sou cego como muitos...
- Então me passa, oras.
- Calma... Nunca ouviu a máxima "devagar com o andor que o santo é de barro"?
- Por favor, não tenho o dia todo.
- Nem eu, mas que trabalhar é chato, é, vai.
O outro lado silencia e ele segue passando alguns números.
Anota, analisa, digita, digita e o Exú interrompe.
- Por que essa demora, ow!?
- O sistema saiu do ar.
- Ele solta mais uma de suas gargalhadas e manda o alfinete - Eh vidinha maiô meno!
E ainda tenta aliciar o santo. - Aqui, como estão as coisas aí? Esse sistema de vocês é muito ruim. Não sei... Mas aqui você já entraria como gestor e, com certeza, logo chegaria a presidente de alguma planta nossa. Gente trabalhadora como você, aqui, é jóia rara e o Homem dá valor a essas coisas, sabe?
São Francisco o interrompe.
- Menos, por favor, menos... Estou bem aqui e daqui não saio.
- Sei. Não quer largar o osso, né?
Totalmente ignorado São Francisco segue como se nada tivesse ouvido:
- Ah! O sistema voltou. Aqui está tudo certo. Ele manda a minha ficha:
Aderlei, homem, brasileiro e blá, blá, blá...
É isso mesmo, mais de 470 requisições para que ele fosse para o inferno. Aí está. Nada de errado, pois.
- Que nada de errado? Que nada de errado?! Exu perde a posse, o humor e grita ao fone.
Cadê as coisas boas que ele fez? Cadê a vida sem roubos, sem agredir ao outro?! Cadê as boas ações? O cara foi escoteiro a metade da vida, ow! Era religioso! Bom homem, bom homem, bom homem, Chico, bom homem.
Quero ver! Quero ver essas requisições!
Instanteneamente o computador à sua frente abre uma janela avisando que estava fazendo download de dados.
Rápido, minha ficha baixa.
Eles discutem algumas das requisições.
Exú alega que uma foi por orgulho ferido, outra porque a pessoa queria ficar e eu parti, outra por isso ou por aquilo. Realmente a ficha não era de um santo, mas me pergunto se era, realmente, de um diabo.

25 horas após o acidente.
A assistente social tenta ligar para outros hospitais afim de saber se alguém procurou uma pessoa com as minhas características. Fica intrigada com a minha cara mesclando seriedade e sorriso. Abisma com o fato de ninguém ir atrás.
Mais uma vez faz uma busca na internet, acha o blog, tenta pegar os dados das pessoas que fazem comentários e nada. Tudo muito fechado. Misterioso, até.

O bate boca entre os dois ia alto.
A verdade é que ninguém me queria. Nem o céu, nem o inferno.
A verdade é que eu estava muito preocupado.
A verdade é que, pela primeira vez, eu via um problema sem a menor condição de eu mesmo resolver.
Não sabia se me sentia péssimo por não poder entrar no céu ou se me sentia bem por não ser aceito no inferno.

Foi Exú quem começou a negociar uma saída para o impasse.
- Seguinte, vou te falar a verdade, tá?
- Hã. Totalmente incrédulo, São Francisco nada fala, só solta sons.
- Esse cara não é bem vindo aqui. O Homem não quer concorrência, sabe? Acha que seria desleal e péssimo para os negócios, entende?
- Entendo, entendo sim, mas o que eu tenho a ver com isso já que aqui, com essa lábia, viraria santo em seis dias. No sétimo descansaria com todos nós servindo cafezinho para ele? Repito: O que eu tenho a ver com isso, Exú?
- O que você tem a ver?! O que? Porra, olha o quadro, cacete! Exú se revolta e perde a linha de novo. A verdade é que aquele homem alto, forte, musculoso e de capa preta adorava bater no peito, falar grosso e aos berros.
- Por favor, controle-se.
- Me controlar? Me dão uma bucha dessas e você quer que eu me controle? Tá achando que "no meu" é refresco? Porra, é pimenta e tá toda no meu rabo, cacete!!!
- Sim. São Francisco, responde vagamente pois, silenciosamente, rezava pela alma de Exú. Em vão.
- Sim, o cacete! Vamos resolver isso!
- Vamos. Aqui ele não entra, logo, deixa ele aí.
- Putamerda! Parece que você não entendeu! Aqui não rola, véio!
- Com toda calma do mundo, sem alterar o tom de voz, São Francisco é, pela primeira vez irônico. - Aqui, também, não rola, mano.
- Vai se f... Tá tirando uma com a minha cara?
- Pois é, né?
Ambos ficam em silêncio por algum tempo. Exú queria briga, São Francisco era o típico funcionário público: Diz que não é ali, que não tem jeito e se cala. Se instigado, volta às mesmas respostas, no mesmo tom de antes e... se cala.
Exú quebra o gelo e solta as palavras como bombas para cima de São Francisco.
- Ah! Eu sabia! Eu sabia! Alegre ele alfineta: "Não há bem que sempre dure, nem mal que se perdure", meu caro!
E continua falando, abrindo as fichas e enviado-as para São Francisco:
- Ele fez esse bem a essa, fez essa ação maravilhosa a essa outra aqui. A pedido de vocês ficou na vida dessa outra para reajustar isso acolá.
Meu caro! Como Vês, o homem era ligadaço à vocês e era um instrumento da vossa paz. Ironiza.
São Francisco não fala nada. Seu sistema é lento e as fichas ainda não haviam chegado.
Quando chegou e ele as leu respondeu:
- Que, que é. Agora quer transformá-lo em santo?
- Olha, não duvide. Vou pessoalmente na terra, aciono meia dúzia de repórteres, faço aparecer uma dúzia de fãs no blog, pego quem me deve, é pactuado com a gente e trabelhe nas redes de TV e em menos de 24 horas esse cara estoura como o maior sucesso da internet mundial. Faço lerem seus textos como um verdadeiro baú de ensinamento e aprendizado. Não vai ser difícil pegar meia dúzia de loucos que afirmem que suas vidas mudaram por causa do blog e que sentem muito o falecimento dele.
E ainda tem mais, meu amigo: Para apimentar faço aparecer umas 300 pessoas, dessas 470 requisições, rezendo aos céus pedindo desculpas e alegando que ele era um homem tão bom...
São Francisco estava diante de um impasse. Tudo mudou. Se antes eu somente tinha bilhetes para o inferno, agora eu tinha créditos suficientes para ser VIP, também, no céu.
Gelei mais uma vez. Sobretudo pelo silêncio que imperava na sala ao lado.
São Francisco quebra o gelo.
- Tá, o que você quer fazer?
Exú gargalha. Estava com fome e tinha a faca e o queijo em mãos.
- Aqui eu não o quero. Pronto.
- Aqui não podemos aceitá-lo.
Ficaram em silêncio.
Mais silêncio.

30 horas após o acidente.
A assistente social se encanta com o que está escrito no blog. Chama a psicóloga, sua amiga, para ler. Outros são chamados e todos ficam intrigados com o fato de ninguém me procurar.
Foi um enfermeiro, que estava no primeiro mês de um curso, que duraria três meses,  para terapeuta alternativo quem deu a saída. Com ar de quem sabe o que fala, voz pausada e olhar penetrante ele solta:
- Não sei... Mas diante da minha experiência, e pelo que vejo no blog, esse cara é um desses artistas loucos, solitários, perdidos em si mesmo. Arrg, até arrepio!!!
Olha isso:

"Botões, cá com os meus.
Algumas coisas só o poeta vê.
Só o poeta vê algumas coisas.
Coisas algumas só o poeta vê.
Só o poeta algumas coisas vê.
Vê algumas coisas. Só o poeta.
O poeta vê só algumas coisas.
Só coisas o poeta vê. Algumas.
Algumas, o poeta vê coisas. Só.
Poeta, só coisas, algumas vê. Ó.
Faltou alguma coisa que o poeta não viu?

AsF 309110008"

Nada com nada, gente! Não tenho dúvidas! Esqueçam de alguém aparecer.
Ele fala nervoso, incomodado com o blog e as mulheres o olham até que a assistente social mostra outro.
- Ah, não, gente. Olha isso como é lindo.
"Jaridna
Por amor, aceito a lagarta mesmo antes de saber se virará borboleta.
AsF 2011"

Todas suspiram e assim vão mostrando as obras, umas às outras.
Até que uma solta, emocionada. - Ah, preciso colocar isso na minha comunidade do Orkut!
Uma outra fala que vai postar outra obra no Facebook e uma terceira já entra no e-mail e repassa para uma lista de mais de 2 mil contatos.

Exú é avisado desse fato e o mostra a Francisco.
- Vê! Vê o que falei?! Isso é mole pra nós, mano!
Ele tenta ser irônico com São Franscisco. E conclui:
- Bem... Posso até pensar em alguma coisa. Posso até já ter alguma coisa em mente, quero dizer, se você estiver disposto.
São Francisco continua sério, voz de preocupado e direto.
- Diz qual é a sua ideia.
- Nem você nem eu, oras!
- Como assim? Fala logo Exú!
- Calma... Calma que tem um gênio pensando, Chico velho. E segue com seu ar irônico: - Por falar em gênio, você ainda usa aquele cortizinho sem vergonha que faz tanto sucesso entre as religiosas?
São Francisco solta um bufão de ar - humpf! - e nada fala. Exú segue com seu plano mirabolante:
- Pense comigo: Se ele não pode entrar aí, se o Homem aqui não quer concorrência desleal, nós só temos que deixá-lo viver, pô!
Ele não quebrou nada, logo o corpo está em dia, a gente reequilibra a conta dele, deixa no empate, dá mais um prazo e ele que se vire. Se fizer merda de novo, vem pra cá e pronto. Se fizer coisas boas - espero! kkkkk- vai praí e, também, pronto!
São Francisco para, pensa e vê que não há uma outra saída senão fazer um acordo. Aceita.
- Ok, eu aceito, mas e essas doenças que ele tem, idade e etc e tal?
- Relaxa que doença a gente regride, dá para viver mais um caminhão de tempo, idade?! Que idade, pô?! O cara é um menino!!!
Vamos liberar logo ele, Chico velho.
- Tá feito. Mais alguma coisa?
- Só mais uma.
- Fala.
- Beijos meu amor.
São Francisco desliga, Exú gargalha.

Exú, completamente suado, exausto, mas com a testa aliviada volta à sala onde eu estou e conversa comigo.
- É seu Aderlei, realmente houve um engano, viu? O senhor é gente boa. Tem lá seus pequenos delitos, mas também tem o seu lado bom, né? Um homem digno, eu vejo!
Eu olho totalmente desconfiado e nada falo. Ele segue.
- Mas conversando com o pessoal lá de cima, o Chico velho é meu amigo, sabe? Eles me passaram que ainda não é a sua hora.
O senhor vai passar no nosso setor de reintegração, vai receber um banho daqueles, sabe? Doença?! Vai equilibrar até as dores de cabeça! Vai sair tinindo!
Volta, vive mais um montão e, por favor, só faça coisas boas, viu? Ele gargalha e conclui: Aqui o senhor não é bem vindo.
Como eu não ri, ele segue gargalhando, me dá um tapinha nos ombros e pergunta se eu entendi a piada.
- Entendeu? Entendeu? "aqui o senhor não é bem vindo", mais gargalhada.
Não achei graça, mas entendi que havia acabado a minha desgraça.

36 horas após o acidente.
A assistente social entra correndo pelos corredores do hospital, abre a porta da enfermaria qual uma louca e, com brilho nos olhos, me sorri com todo o corpo.
Ela era uma primavera. Estatura mediana, cabelos vermelhos (naturais), sardas por todo o rosto e busto, vestido escolhido ao acaso, florido em cores, salto elegante, pés para fetichista nenhum colocar defeito.
- E aí moço sem ninguém.
Eu não sabia o que responder, apenas - e amarelamente - sorri.

Com uma intimidade que eu não entendia, ela sentou à beira da cama e me contou o que se passou naquelas 36 horas, explicou que, se tudo corresse bem, eu já sairia no outro dia. Perguntou se eu queria ligar para alguém e fez cara de espanto quando eu disse que não. Ela insistiu, me mostrou seu telefone e eu ratifiquei que não havia para quem ligar.
Intimamente, é claro que pensei em algumas pessoas, eu até quis ligar, mas estava vivo na minha cabeça todo aquele tramite entre céu e inferno. Estava claro que nenhum dos dois me queria, logo, aqui é meu lugar e aqui eu tenho que ficar. (mas) Limpo.

48 horas após o acidente.
A assistente social, agora, tinha nome, se mostrara minha amiga e até me deu uma carona até em casa, mas claro, isso é outra história.

AsF102121754

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