Abrindo as portas.

Seja bem-vindo(a) ao meu Labirinto!
Aqui criador e criaturas se fundem e confundem até o mais astuto ser. Olhe querendo ver e não tema o que pode ser visto, afinal luxo e lixo diferem em somente uma letra - nem tão diferentes assim. Uma dica: Se perca para se achar. Se ache e pouco se dará a permissão para perder-se. Permita-se as permissões a bem das possibilidades.
Bom mergulho andarilho(a)!

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eu nasci

Eu nasci

Sabe... Fiquei um tempão lá dentro. Crescia, o espaço apertava, eu dava umas empurradas para ver se melhorava, mas. Nada.
Não sei precisar quanto tempo estava ali. Uns nove meses, acho.
Água por todos os lados, vozes de todas as formas e confesso que quando eu não estava tão bem assim, chutava a uns e outros. Ah! Eles vinham falando estranho comigo! Hoje sei identificar e uns pareciam bêbados ao soltar: - cadê o lindinho disso? – Cadê o lindinho daquilo.
Arrrggg. Era duro, viu?
É claro que, naquela época, eles não sabiam se era lindinho, lindinha ou mais ou menos.
Só sei que a coisa ficou feia quando aquela aguaceira começou a sair por todos os lados e a moça que me levava – eu gostava da voz dela. Macia, convidativa, acolhedora... Terna mesmo. Sempre falava comigo com um “q” especial – começou a reclamar de uma tal de bolsa estourada.
Oras, que bolsa era essa? Onde ela estourou? Eu me perguntava, perguntava e ninguém respondia. Chutei forte e continuei sem resposta.
A correria foi grande e um cara, que a moça que eu gostava chamava de pai e que depois eu também chamaria da mesma forma, começou a dizer que ia pegar as chaves para ir ao hospital.
Ufa! Depois vim descobrir que os humanos se preparavam tanto para aquele momento e sempre quando ele chegava, eles se perdiam. *sorriso*
Ela entrou no carro e, pelo que entendi, outros carros foram junto. No da frente o motorista se chamava padrinho, no de trás o nome era o mesmo que, até os três anos que chamaria a muitos outros: Tio. No meio, em nosso carro, um cara chamado irmão. Uma praga, devo dizer. Se bem que apreendi a amá-lo depois de alguns depois.
Lembro que o pai parou o carro e, aquele homem geralmente caladão, na dele e sempre muito centrado, saiu gritando:-Trabalho de parto, trabalho de parto!
Confesso que não sabia o que era “trabalho de parto”, mas posso assegurar que pensei duas coisas:
1. Já querem que eu trabalhe.
2. O trabalho deve, pelo tom de voz dele, de partir alguém no meio.
Sério, achei que alguém estava para morrer ao ser partido.
Nessa hora os seguranças pediram calma e ele foi, como sempre era naquelas situações, duro, incisivo e direto:
- paguei nove meses para justamente não ter calma. Pega uma maca que meu filho vai nascer.
Pois é... agora as coisas estavam mais claras na minha mente: Íamos trabalhar, o serviço era de partir alguém e isso devia ser para um outro alguém nascer...
A mãe, a moça da voz terna, só pedia calma.
- Calma, meu amor, calma.
Por um instante pensei que fosse comigo. Eu também era “meu amor”.
De repente ela saiu do carro, deitou na tal maca e entrou no elevador. Um cara de branco a atendeu e disse sem dar muita importância: - Calma mãe que ainda falta dilatação.
Hummm, eu estava perdidinho no meio daquela confusão quando ela colocou a mão onde eu me hospedava e falou pra mim: - Calma meu amor...
Pôxa vida... era para mim ou era para o outro “meu amor”?
Não, acho que era para mim mesmo. O tom de voz dizia isso. É. Era para mim.
Quando menos esperei a água acabou por completo e quando me dei conta eu estava em outra posição, mas... como percebi que todos estavam bem nervosos, resolvi “ficar na minha”, aliás, sempre fui um cara de, na hora do tumulto, ficar na minha.
Sério... eu ia ficar na minha mesmo, só que “vi” que “lá fora” tinha uma correria danada.
A “mãe” falava um idioma que até hoje não entendi, sua respiração estava aceleradíssima e o “pai” só fazia pedir um médico.
Tudo rodava, de uma cama para outra, de uma sala para outra até que...
Eu percebi que a “mãe” chorava muito e, para completar, um cara gritava com ela:
- Força, mãe! Força, mãe! Mãe! Ajuda! Força, vai!
Ah não... quem está gritando com uma pessoa tão boa quanto ela?!
Indignado, resolvi sair para ver o que acontecia. Queria ver aquele sujeito de frente e conversar com ele para explicar que aquela mulher era uma pessoa muito boa.
Mas, gente, eu nem bem coloquei a cabeça para fora e o sujeito saiu me puxando. Ele queria briga, sabe? Eu logo percebi.
Me armei todo para mostrar para ele quem mandava, mas o caboclo me colocou de pernas para o ar e ainda me deu um belo de um tapa na bunda.
Com covardia não vale, vai. Eu chorei.
E para piorar a situação todos sorriram. Era um sorriso aliviado, pode?
Eu ia reclamar na direção e quando me virei para comunicar isso aquele senhor, ele me passou para uma moça. Ela me tirou a “gosma” que me cobria o corpo e já totalmente enrolado em um lençol me levou para o peito de uma senhora linda e disse:
- Parabéns mãe, é um menino.
Ela chorou, me abraçou e disse:
- Seja bem-vindo.
Eu me encantei com o brilho daquele rosto e sabor de seu sorriso. E descobri: Eu nasci.

2 comentários:

Marilene disse...

Szir

Você nasceu de uma forma linda e natural....
Cresceu...apareceu....
E se diz “tímido”.
O relato de seu nascimento e simplesmente maravilhoso.
Senti-me novamente mãe em trabalho de parto...que momento lindo.
Você cresceu e se tornou um ser iluminado e dono de uma grande responsabilidade.
Transmitir o sentir através de seus textos, pensamentos....sorrisos contagiantes.
Amenizando corações tristes.
Remendando feridas que sangram.
Porteiro oficial...que abre passagem para a coragem.
Você intimida o medo, e oferece um leque de opções para cada um que cruza o seu caminho encontrar a felicidade.
Parabéns meu poeta amigo.
Seja sempre muito feliz.

Amor

Marilene
29/11/08

FRAGMENTOS disse...

Szir,lhe conheço pouco,mas quanto mais lhe descubro,mais lhe admiro.
Já li muitos textos seus,a criatividade e a habilidade com as palavras é algo que flui em você lindamente, mas confesso que esse texto me surpreendeu, pois tem uma sensibiidade quase palpável, digo quase porque não pude tocar na matéria, mas toquei a alma.
Não sou mãe, mas me senti como tal, vi minha mãe... meu nascimento, sua mãe... seu nascimento, vi meus pacientes e suas mães, vi a vida brotando,vi o amor transbordando.
Enfim, vi o poeta, o ser humano, o menino inocente, o homem, vi sua essência...

Bjos no seu coração.

Aglaure ou simplesmente Gall :)

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