Abrindo as portas.

Seja bem-vindo(a) ao meu Labirinto!
Aqui criador e criaturas se fundem e confundem até o mais astuto ser. Olhe querendo ver e não tema o que pode ser visto, afinal luxo e lixo diferem em somente uma letra - nem tão diferentes assim. Uma dica: Se perca para se achar. Se ache e pouco se dará a permissão para perder-se. Permita-se as permissões a bem das possibilidades.
Bom mergulho andarilho(a)!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

07. A Casa de Madalena - O Sofá

07. A Casa de Madalena - O Sofá
Eu preciso fazer um diário. Preciso registrar tudo que acontece comigo. Com minha vida. Pensando melhor não quero um diário. Minha vida é tão mórbida que basta uma agenda. Um calendário dá conta.
Dia primeiro, menstruei. Ligar para Bhoeme e avisar.
Dia dois, minha mãe foi ao cabeleireiro. Ligar para papai e delatar.
Dia três, a explorada não alimentou o cão. Denunciar aos protetores dos animais.
Melhor não. Perderei muito tempo registrando tudo e deixarei de viver.
Mas eu preciso registrar. Preciso desenvolver um método onde eu possa colocar tudo. Diário é demais, agenda é médio e calendário é de menos. Preciso registrar.
- Lenaaaa, filha. Venha até a sala. Gritou, sem força, mamãe. Cheguei logo, mas sem pressa.
Olhe quem está aqui, Mariloudes! Isso é nome? Pensei. Sorri e cumprimentei a Dona Marilourdes, uma amiga de infância da mamãe.
E já ia dar as costas quando a porta se abriu e um rapaz, desconhecido, entrou.
Fiquei parada, ele parou, me olhou. Mas não me viu. A tempo acionei o botão da invisibilidade.
Minha mãe logo apresentou: - Esse é Ricardinho. Filho da Marilourdes, filha. Você nem deve lembrar dele.
- Hã!? Só isso, soltei. Mas pensei, se conhecesse não esqueceria. Se esquecesse estaria morta.
- Muito prazer, Mada.
- Mada? Mas tinha que me chamar de Mada? Muito prazer, Ricardo. Atendi ao seu estender de mão e fui bruscamente puxada por ele para seu rosto. O beijo foi intenso e mesmo com todos na sala nos demos como verdadeiros amantes em dias de verão a beira da praia. Ele me abraçava com força e eu não resistia. Não queria resistir. Não podia. Ele era forte. Seria meu senhor amado. O beijo foi rápido e comportado, bem no rosto. Enrubesci. Olhei, ele me olhou e mais uma vez não me viu. Mais uma vez acionei o botão a tempo.
- Sentem, por favor. Disse meu pai.
Marilourdes sentou rápido numa cadeira que tínhamos na sala. Sua coluna era exigente e ela não podia sentar em qualquer lugar. Minha mãe sentou logo e meu pai a seguiu. Eu esperei Ricardo e esse, aparentemente me esperava. Olhei para o imenso sofá que tinha na sala e antes que eu sentasse, Ricardo tirou sua capa e o cobriu. - MiLady, falou ele apontando o sofá. Sentei. Ele sentou ao meu lado.
Meu pai olhou com cara de reprovação, mas para ele eu nem adiantava acionar o botão da invisibilidade, pois ele tinha visão infravermelha.
Ricardo olhou firmemente para meu pai. Levantou-se e disse: - Senhor, rogo em pleito a mão de sua filha - e donzela! - , Magdalehna! Ai... eu morri nessa hora e não via a hora de poder anotar essa passagem importante em minha vida.
O assunto era o de sempre. Você viu fulana? Cicrana está gorda. Beltrana separou-se. Uma outra é louca. Outra uma é descolada demais para a idade dela.
Meu pai sorria aos assuntos, mas estava claro que não gostava. Ele nunca gostava de nada. Na hora era todo cortesia, reclamava quando a visita ia embora e insistia em oferecer um mundo. Quando as portas cerravam-se atrás da visita ele só faltava matar a minha mãe de tanto reclamar. Que a pessoa era isso, que a pessoa era aquilo. Dizia que abriu bebida cara, reclamava que a pessoa não elogiou sua mesa de canto que veio de Paris sozinha e assim ia até esquecer e uma outra reclamação aparecer.
Eu estava sentada, invisível ao lado de Sir Richard.
- Mada, você não gosta de suco e está bebendo tanto, filha... Falou a linguaruda da minha mãe. Nunca bebi tanto suco, mas só conseguia roçar meu braço ao do Ricardo quando ia pegar suco. Pegava pouco, pegava muitas vezes.
Meu pai olhava com cara de desconfiado, minha mãe sorria com cara de, agora me livro da concorrência desleal dessa ai. Eu não olhava. Só pensava. Não falava. Só apertava o botão da invisibilidade e mesmo a bateria estando fraca ainda conseguia sumir.
Meu pai perguntou o que Ricardo fazia e sua mãe respondeu orgulhosa, Quase médico! E devolveu: E Madalena?
Será advogada, entra esse ano, diz minha mãe.
Não. Eu já falei que serei psicanalista. Falei entre os dentes e suficientemente alto para Ricardo ouvir.
Ah que legal... Estou querendo me formar ginecologista. Seremos colegas. Disse Ricardo.
Ginecologista!? Pensei. Mas que absurdo! Mais um tarado frustrado que não tem capacidade para conseguir mulher e vira médico para usar a todas! Médico e cafetão, pois usa e cobra!
- Mãe não estou me sentindo bem. Disse indignada e já de pé para sair.
- Deve ter sido o suco em excesso filha. Vá se deitar um pouco.
Fui até meu pai, pedi licença e o beijei. Meu herói. Me salvou de um tarado...
Beijei minha mãe e Marilourdes.
Ao beijar Ricardo, acionei minha luz potencial e falei baixinho em seu ouvido: tarado...
No quarto registrei tudinho. No diário, na agenda e no calendário.

MadalenaDee
Mada por parte de pai, Lena pela da mãe e Dee por pura rebeldia.
Para os íntimos, Ma dá. Para os inimigos, Me dá. Para os neutros MadalenaDee.

By
Aderlei Ferreira
14/FEV/2006

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